Extremamente participativa nas questões do seu bairro, dona Adria foi encontrada em frente a biblioteca Mário de Andrade dando instruções para um Policial sobre como proceder com os moradores de rua. De longe, este é o problema que mais aflige a ex-professora universitária, membra da Frente Parlamentar para a Situação do Morador de Rua. De aparência serena, Dona Adria só se exalta quando fala das políticas adotadas para tratar dos moradores de rua. Dos seus 65 anos de vida, 20 foram morando na região. Ela conta que, no seu tempo, os moradores de rua eram recolhidos a força e hoje não podem ser tocados sem consentimento próprio. "Aí entrou os Direitos Humanos, essa porcaria de Direitos Humanos, e aí não se pode fazer mais nada sem o consentimento da pessoa. Aí ele pode matar, pode roubar, mas não pode ser encostado pelo policial porque não quer. É uma inversão de valores."

Cansada de ver as coisas tomarem rumos com os quais discorda, Dona Adria participa ativamente de outras organizações sociais na região em que mora. Além da Frente Parlamentar, também é membra do Fórum do Centro e dá aulas de capacitação profissional para moradores de rua na área de "garçom e gastronomia", como ela mesma define. Com formação em Hotelaria e Turismo, Dona Adria foi professora em diversas universidades e faculdades dentro e fora de São Paulo. "Infelizmente, de 30, você vai conseguir que cinco captem o que você ensinou. Mas pelo menos eu ajudo estas pessoas. Muitos voltam pra sua cidade, outros voltam para a família.", explica ela, nascida em Curitiba e que já passou por diversas cidades, entre elas Salvador e Recife. Em cada uma delas afirma ter feito algo de bom, "um projeto, uma associação, uma secretaria...". O ideal, para Adria, é conhecer por completo a cultura da região, "como vive o rico e como vive o pobre'", ressalta.

Outro problema que incomoda Dona Adria é questão habitacional. "Só aqui onde nós estamos temos cento e poucos prédios, de 6 andares pra cima, desocupados", reclama. São construções antigas, tomadas pela prefeitura e com contestações judiciais, a espera de algum destino. Com uma memória de dar inveja a qualquer adolescente, dona Adria cita nome de políticos e gestores que passaram pela região com uma facilidade espantosa. E é com essa facilidade que ela acusa Henrique Meirelles, atual presidente do Banco Central, de mandar demolir edifícios desocupados para oferecer à iniciativa privada durante sua presidência na Viva o Centro. "Ele achou que era melhor derrubar tudo e oferecer para alguma ONG, alguma organização, que quisesse construir uma coisa bonita no lugar. O que não é o caso. A gente tem tanto espaço que foi derrubado e nada feito no lugar.", conta Dona Adria que também critica a medida tomada na demolição do Carandiru: "Tem muito espaço ali que não foi utilizado".


Dentre as atividades que Dona Adria mais gosta de fazer está frequentar as atrações culturais na região. Próximo a sua casa, no raio de 1,5 Km, há no mínimo seis Teatros, quatro cinemas, cinco museus, dois centros culturais e duas bibliotecas. "Se você quiser, você pode ir a dois ou três eventos. Até mesmo de graça. Só você querer!", comenta sobre a diversidade cultural da região. "Temos todas as raças, pelas raças temos muitas culturas". Além da cultura, a frequentadora assídua das atrações do centro também aprecia a diversidade de pessoas: "Aqui temos esta diversificação: Você tem gente boa, gente má, gente mais ou menos. Gente bem vestida, gente mal vestida, gente mais ou menos. Que entende das coisas, que entende e mostra que entende, que entende e finge que não entende...".

Mas essa diversidade muitas vezes chega a atormentá-la. Devido ao grande fluxo de pessoas na região, o bairro sofre com a falta de conscientização das pessoas e elevada taxa de criminalidade. "Já cansei de correr pra ajudar quem está passando mal e pedir 'você pode me ajudar com esta pessoa' e ouvir como resposta 'Estou no meu horário de trabalho!'. Isso não me entra na cabeça!", conta inconformada com a frieza das pessoas que passam pela região e, a todo momento, tocando e cutucando seu interlocutor, como quem quer quebrar uma barreira. Dona Adria mora sozinha e sente saudades dos tempos em que a região era tranquila. Naquela época, participava de passeios públicos em grupo, interrompidos pela escalada da violência na região. "Ela [São Paulo] tem tudo: tem cultura, tem tradição, mas está perdendo a humanidade", desabafa.

Mesmo estando sozinha em uma das regiões mais agitadas e solitárias da cidade, não é esse o sentimento que Dona Adria cultiva consigo. "Ninguém é sozinho. Todo mundo tem Deus... e o anjo da guarda, né?", justifica, contando uma série de situações de apuros das que se livrou graças a estas duas forças sobrenaturais. Os casos vão de tentativa de assassinato pelo marido até queda aviões (!).



Além dos anjos da guarda, a moradora é figura carimbada na região do centro da cidade. Conversa com todos por onde passa, mas ressalta que é muito seletiva em suas amizades. "Às vezes a pessoa não entende o que você fala", explica. Nestes casos, a relação permanece apenas no cumprimento cordial.


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